Símbolos e Sinais (Symbols and Signs) - Vladimir Nabokov (parte III)

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Era quase meia-noite quando, da sala de estar, ela ouviu seu marido gemer, e logo ele cambaleou até lá, vestindo sobre sua camisola o velho sobretudo com o colar de astracã que ele preferia, mais do que seu bom roupão azul.
“Não consigo dormir!” ele exclamou.
“Por que não consegue?” ela perguntou. “Estava tão cansado.”
“Não consigo dormir porque estou morrendo,” ele disse, e se deitou no sofá.
“É o seu estômago? Você quer que eu ligue para o Dr. Solov?”
“Sem médicos, sem médicos,” ele gemeu . “Para o inferno com doutores! Nós devemos tirá-lo de lá rápido. De outra forma, seremos responsáveis... Responsáveis!” Ele se atirou em uma posição sentada, ambos os pés no chão, batendo em sua testa com seu punho cerrado.

“Tudo bem,” ela disse timidamente. “Nós o traremos para casa amanhã de manhã.”
“Eu gostaria de um pouco de chá,” disse o marido e saiu para o banheiro.
Inclinando-se com dificuldade, ela recuperou algumas cartas de jogar e uma fotografia ou duas que haviam caído no chão – o valete de copas, o nove de espadas, o ás de espadas, a empregada Elsa e seu bestial namorado. Ele retornou com ótimo humor, dizendo com uma voz alta, “Eu já sei o que fazer. Nós damos a ele o quarto. Cada um de nós vai passar parte da noite perto dele e a outra parte nesse sofá. Nós faremos o doutor vê-lo ao menos duas vezes na semana. Não importa o que o Príncipe diga. Ele não vai ter muito a dizer de qualquer forma, porque vai ficar mais barato.”
O telefone tocou. Era uma hora incomum para ele tocar. Ele permaneceu no meio do cômodo, tateando com seu pé por um chinelo que havia saído e, infantilmente, desdentadamente, ficou boquiaberto para sua esposa. Como ela sabia mais inglês do que ele, ela sempre atendia as ligações.
“Posso falar com o Charlie?” uma voz de garota disse a ela.
“Que número você quer?... Não. Você tem o número errado.”
Ela colocou o telefone gentilmente no gancho e sua mão foi ao coração. “Me assustou,” ela disse.
Ele sorriu um sorriso rápido e imediatamente voltou ao seu monólogo excitado. Eles iriam buscá-lo assim que raiasse o dia. Para sua proteção, eles manteriam todas as facas em uma gaveta trancada. Mesmo nos piores dias, ele não representava perigo para outras pessoas.
O telefone tocou uma segunda vez.
A mesma voz jovem e ansiosa perguntou por Charlie.
“Você tem o número errado. Eu vou te dizer o que está fazendo. Você está discando a letra ‘o’ ao invés do zero.” Ela desligou novamente.
Eles se sentaram para seu festivo e inesperado chá da meia-noite. Ele bebericou ruidosamente; seu rosto estava corado; de vez em quando ele levantava seu copo com um movimento circular, para fazer o açúcar dissolver melhor. A veia no lado de sua cabeça careca destacou-se visivelmente, e prateados pelos se mostraram em seu queixo. O presente de aniversário ficou sobre a mesa. Enquanto ela servia a ele outro copo de chá, ele colocou seus óculos e reexaminou com prazer os luminosos pequenos frascos amarelos, verdes e vermelhos. Seus desajeitados e úmidos lábios soletraram suas etiquetas eloquentes – damasco, uva, ameixa, marmelo. Ele havia chegado à maçã quando o telefone tocou novamente.

Fim.

Fonte do texto original (completo): http://goo.gl/FlhjW5

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